Em trabalho publicado no periódico Frontiers in Immunology, patologistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) sugerem que a expressão de uma molécula chamada mesotelina (uma proteína sintetizada por células tumorais do mesotelioma) ajuda a prever a evolução clínica do paciente. E, ainda, que a proteína seria um potencial alvo terapêutico.
“Existem vários outros alvos terapêuticos, mas essa proteína tem sido um candidato muito promissor, a ‘menina dos olhos’, tanto como marcador prognóstico quanto preditivo da doença, mas não é só isso. Ao inibi-la, vimos que é possível diminuir a proliferação celular e conter o crescimento tumoral”, revela Vera Luiza Capelozzi, uma das autoras do artigo.
Ela explica que a exposição às fibras do asbesto destrói as células mesoteliais normais da pleura, membrana que reveste o pulmão. A doença se desenvolve a partir do efeito combinado entre as células da pleura e os macrófagos (células de defesa) que fagocitam as fibras do asbesto.
“O asbesto é um silicato que tem a estrutura semelhante à de um cristal. Quando a fibra de asbesto é inalada, o macrófago, nossa principal célula de defesa, fagocita essa fibra, mas não consegue destruí-la. Com o tempo, ocorrem reações inflamatórias recorrentes. Ao redor desse macrófago estão as células normais da pleura. Com o ar dos anos, as células mesoteliais que tiveram contato com esse macrófago portador da fibra podem se proliferar sem controle e, em uma dessas divisões, podem se transformar em células neoplásicas.”
A doença fica latente por um período e costuma aparecer após os 50 anos. Acomete mais homens do que mulheres, principalmente trabalhadores ou ex-funcionários de empresas que empregavam ou empregam asbesto em materiais como caixas d’água, telhas, forros, pisos e divisórias.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu alertas sobre o amianto, classificado como reconhecidamente cancerígeno e banido em diversos países, incluindo o Brasil, que só o proibiu em 2017, depois de anos de pressão das vítimas de doenças causadas pelo material, entre elas o mesotelioma pleural. Desde então, muitas vezes reunidos em associações, os afetados vêm processando empregadores.
“Esse tumor tem várias implicações e uma delas é jurídica. Ao um laudo de mesotelioma maligno, abre-se uma fronteira para ajudar o oncologista, o cirurgião, mas também para embasar processos trabalhistas. É um terreno no qual é preciso ser muito firme”, comenta a pesquisadora.
A equipe confirmou a importância da mesotelina – como biomarcador e como alvo promissor no tratamento do mesotelioma – e ainda examinou sua relação com o sistema imunológico no cenário do microambiente tumoral.
“Nossa ideia desde o início foi avaliar o microambiente tumoral e não a expressão gênica. Porque, se o microambiente tumoral não for favorável, a célula tumoral não progride. Esse cenário é importante para a célula se movimentar, invadir e se implantar em outros órgãos.”
Na busca de um tratamento promissor para a doença, os cientistas investigaram a expressão proteica da mesotelina e do fator programmed cell death ligant 1 (PD-L1), uma proteína de ponto de controle (checkpoint) imunológico que regula a resposta de defesa e previne a autoimunidade (o ataque a tecidos saudáveis).
“O PD-L1 é nosso sentinela imunológico, ele controla a produção de autoanticorpos pelo organismo. A expressão de PD-L1 e mesotelina pelo tumor cria uma barreira funcional contra as células malignas, inibindo sua migração e restaurando o cenário imunológico”, afirma Capelozzi.
A equipe de cientistas mostrou que a mesotelina remodela a matriz imunológica do microambiente tumoral, recrutando diferentes tipos de células do sistema imune e aumentando o colágeno tipo I, o que contribui para o estabelecimento de uma barreira mecânica antitumoral, mitigando o risco de morte.
Os cientistas confirmaram, também, o potencial da mesotelina como biomarcador, pois demonstraram que o risco de morte foi três vezes maior entre os pacientes não operados com baixa expressão de mesotelina nas células tumorais, altos níveis de PD-L1 e baixa infiltração de células linfoides T CD4+ (envolvidas em diversas respostas imunológicas) no microambiente tumoral.
Para selecionar a amostragem, foi feito um levantamento retrospectivo utilizando amostras cirúrgicas e biópsias de pacientes com mesotelioma obtidas em parceria com o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (Laboratório de Anatomia Patológica), Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) e Hospital das Clínicas da FM-USP. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (18/20403-6, 22/06510-0 e 23/02755-0).
Dos 246 casos inicialmente selecionados, 82 amostras foram incluídas no estudo. Dados dos pacientes, incluindo sexo, idade, histórico de exposição ao amianto, histologia, tratamentos realizados e tempo de sobrevivência, foram coletados.
Os cientistas construíram microarranjos (microarrays) de tecidos das 82 amostras em lâminas e conduziram ensaios de imuno-histoquímica e imunofluorescência. “Usando a mesotelina e o PD-L1, fizemos a reação antígeno-anticorpo no tecido tumoral para detectar a expressão dos biomarcadores. Quando adicionado um fluorógeno [substância fluorescente], a mesotelina assume uma coloração acastanhada”, conta a cientista.
As lâminas preparadas pelos pesquisadores também foram digitalizadas em um scanner especial. Para quantificar a expressão de diferentes marcadores, as lâminas digitalizadas foram analisadas usando um software chamado QuPath. De acordo com a intensidade da coloração assumida pela mesotelina, foi possível saber se ela está hiperexpressa, hipoexpressa ou se é negativa.
“Com esse trabalho, conseguimos demonstrar que a mesotelina é importante no microambiente tumoral e que, alinhada ao PD-L1, pode representar um protocolo terapêutico promissor. Estamos progredindo com os estudos para analisar a relação da mesotelina e do PD-L1 com o microambiente, avaliando colágeno e fibra elástica, componentes fibrilares da matriz extracelular que possibilitam à célula migrar por aí e ultraar as barreiras mecânicas que o organismo cria para evitar que a célula tumoral caia na circulação e se implante em outros locais, causando a metástase”, resume Capelozzi.
O artigo Mesothelin expression remodeled the immune-matrix tumor microenvironment predicting the risk of death in patients with malignant pleural mesothelioma pode ser lido em: www.frontiersin.org/journals/immunology/articles/10.3389/fimmu.2023.1268927/full.